quinta-feira, 1 de abril de 2010

Brites de Paredes Gramacha, uma mestiça em Meriti (I)

Brites de Paredes Gramacha não chegou a ser uma personagem da história do Brasil. Mesmo assim, seu nome ficou registrado em quase todos os estudos que se referem aos processos da nefanda “inquisição do santo ofício” que perseguiu durante a primeira metade do século XVIII os adeptos do judaísmo no Rio de Janeiro e cujo episódio mais conhecido foi a condenação à fogueira, em 1739, de Antonio José da Silva, o primeiro dramaturgo nascido no Brasil.

As perseguições e processos contra o judaísmo já vinham de longe, desde o século XV, na Espanha, e XVI em Portugal. Emigrar para as colônias distantes era uma saída quase sempre segura, mas vez por outra os tentáculos dos perseguidores eram lançados sobre os seus esconderijos tropicais nas Américas. No inicio do século XVIII um desses tentáculos abalou uma tranqüila e próspera comunidade que habitava os arredores do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense. Quase todos eles eram familiares de Antonio José da Silva. Toda essa história foi magnificamente narrada por Alberto Dines em "Vínculos de Fogo"[1].

Brites, que era um nome muito comum nos primeiros séculos da língua portuguesa e que depois foi modernizado para Beatriz, nasceu por volta de 1696 em alguma das muitas fazendas de cana-de-açúcar que se tinham instalado na Baixada, na margem ocidental da baía de Guanabara[2]. Nessa região estão hoje os bairros de Irajá e Pavuna, na capital carioca, e os municípios de São João de Meriti e Duque de Caxias, no estado do Rio. Gramacha era seu sobrenome, porque era filha de João Maio Gramacho, e porque naquele tempo era comum aplicar a desinência de gênero nos apelidos de família[3]. Seu pai era nascido no Rio de Janeiro e trabalhava como caixeiro e tinha trapiche de açúcar. Seu avô paterno tinha o mesmo nome, havia sido capitão de navio e constava ter nascido em Portugal. A avó também seria portuguesa.

A mãe de Brites era a mulata Lourença Mendes (de Paredes), nascida no Rio de Janeiro por volta de 1668, era filha do senhor de engenho Rodrigo Mendes de Paredes (falecido em 1698) com a preta forra Úrsula, de origem da Guiné. Lourença e João Maia Gramacho haviam se casado a 22 de outubro de 1688[4].

Lourença tinha outros seis irmãos, filhos de Rodrigo e Úrsula, três meio-irmãos, filhos de Rodrigo com Francisca, uma preta forra nascida em Angola, além de outros quatro meio-irmãos, filhos do mesmo Rodrigo com Maria de Gallegos, a esposa legítima[5]. Era preciso povoar o Brasil!

Lourença era prima, por parte de pai, de Brites de Paredes, casada com um dos senhores de engenho mais ricos daquela região, o também tabelião João Correa Ximenes. Homem importante nos negócios e que estava também preocupado em estimular a fé dos que viviam à sua volta, foi esse Ximenes quem mandou construir em suas terras (num local onde se encontra a atual Pavuna) uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Mas o Santo Ofício diria que se tratava apenas de fachada para encobrir os ritos da fé condenada.

Fachada ou não, foi nessa capela, no dia 6 de março de 1707, que Brites Gramacha casou-se com o alfaiate Agostinho Monteiro Mexia, mestiço, natural de Inhaúma, alfaiate de profissão, e que havia sido capitão de um batalhão de homens pardos[6]. Foi celebrante, o reverendo Padre Bernardo de Almeida. Brites tinha, então, apenas 12 anos.

O casamento de Brites e Agostinho era algo natural e sempre bem vindo. Havia muita terra para povoar. Mais do que isso, era um exemplo daquilo que viria a se tornar a principal característica da formação cultural da colônia: mestiçagem racial, pluralismo religioso. Avô paterno português, avós maternos de ascendência espanhola e africana; uns cristãos-velhos, outros cristãos-novos ou judeus, outros, ainda, seguidores de ritos africanos; brancos, pretos, pardos. O que leva a crer que a aventura nos trópicos para a busca da riqueza não dava espaço para velhos preconceitos.



Notas:

[1] Dines, Alberto “Vínculos do Fogo: Antonio José da Silva, o Judeu, e outras histórias da Inquisição em Portugal e no Brasil”, Companhia das Letras, 1992, S.Paulo, 1054 pp;


[2] Cf. Rheingantz, Carlos. “Primeiras Famílias do Rio de Janeiro (Séculos XVI e XVII), vol. II, p. 513. Brasiliana, 1965, Rio de Janeiro.

[3] Idem, p. 513. As grafias “Gramacho” e “Gramaxo” são variações do mesmo patronímico.

[4] Idem.

[5] Cf. Dines, Alberto, op. cit., apéndice 1. Esta Úrsula não é a mesma escrava pela qual disputaram em 1712 José de Barros e José Correia Ximenes. Esta teria nascido por volta de 1690, aquela em torno de 1650. Ver Silva, Lina Gorenstein F. da, “Heréticos e Impuros: A Inquisição e os Cristãos-Novos no Rio de Janeiro – Século XVIII”, R.Janeiro, 1955.

[6] Algumas fontes mencionam que a capela teria sido construída em 1708. O registro do casamento de Brites e Agostinho, existente nos Arquivos da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, livro 348, fls. 32v, da Freguesia de N. Sra. Da Apresentação de Irajá, diz que o casamento foi realizado no dia 6 de março de 1707, no oratório de N. Sra. Da Conceição, pelo Padre Bernardo de Almeida.

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