sábado, 17 de abril de 2010

O padre Roberto de Brito Gramacho: pároco de Canavieiras (Poxim) e Paripe

Roberto de Brito Gramacho era filho do engenheiro militar Antonio de Brito Gramacho, personagem da postagem anterior. É o que se conclui do texto publicado nos Anais do Arquivo Público da Bahia (v.56-57) que faz referência a uma "carta do rei de Portugal ao governador e capitão-general da capitania da Bahia informando sobre a petição do padre Roberto de Brito Gramacho, vigário da matriz de N. Sra. do Ó de Paripe, do arcebispo [sic] da Bahia, pedindo mercê do soldo de seu pai Antonio de Brito Gramacho, capitão de infantaria engenheiro.”

Roberto nasceu, provavelmente, na cidade de Salvador, Bahia, por volta de 1715-1720. Em 1741 foi nomeado vigário da freguesia de N. Sra. da Boaventura de Poxim, no atual município de Canavieiras, litoral sul da Bahia. Em 1770 estava em Salvador, como pároco da Igreja de Nossa Senhora do Ó de Paripe.

O Padre Gramacho é o autor do que talvez seja a primeira descrição da região da atual Canavieiras onde já estava há quinze anos. Isso nos idos de 1756. 

Naquela época Portugal estava sob o governo do Marques de Pombal, sob o reinado de D. José I (1750-1777). Uma das muitas iniciativas desse governo foi o de procurar juntar todas as informações disponíveis sobre o Brasil. A igreja católica tinha então seus pastores em quase todas as povoações, para que as almas dos primeiros habitantes não se perdessem pelos ermos distantes do pais. Além disso os padres eram pessoas com boa educação formal. Portanto, nada mais natural do que  serem encarregados de colaborar naquele grande esforço de “mapeamento” do nosso território. Afinal, os padres tinham seus salários pagos pelo governo. O resultado é que grande parte das primeiras descrições e mapas existentes sobre as partes mais distantes do território brasileiro são daquela época e fruto dessa decisão. E foi assim que o Padre Gramacho, então vigário em Poxim (atual Canavieiras), tornou-se o primeiro historiador local. Foi o autor do primeiro "retrato" daquele que é hoje um dos mais aprazíveis recantos turísticos da Bahia.

A igrejinha de S. Boaventura, em Canavieiras (BA), construída em 1718
(em foto de 2005 obtida do Flickr de Felipe Corneau)

Gramacho não se fez de rogado e por logo mãos à obra. Afinal não era todo dia que lhe aparecia uma oportunidade de ser lido pelos que em Lisboa cuidavam dos interesses do Brasil. Assim, já no começo de 1756 fazia despachar para Salvador as suas descrições do lugar, registrando logo na introdução, os seus lamentos e pedidos de ajuda. Dizia ele em bela letra e inspirada prosa:

“Manda-me V.Exa. descrever as povoações desta Paróquia com a individuação, que expressa a ordem de S. Majestade, que proximamente recebi. Sem demora vai correndo a pena, que de assim em doze léguas de tanto despovoado, primeiro havia de cansar como a pomba da Arca [1], do que chegasse a descobrir povoação. Bem mostra ser esta Paróquia a extrema, e princípio do Arcebispado, pois de tal sorte tem em si unidos o fim com o principio, que sem jamais passar do seu princípio se vê quase reduzida ao fim. Todas as suas coetâneas que não são menos de 19 se vem aumentadas nas Igrejas edificadas à custa da Real Fazenda, no culto, e ofícios Divinos, e pelo conseguinte no povo, no comércio, e opulência; só ela em tudo é a mais tênue, e diminuta; e trazendo os mesmos requerimentos há mais de dez anos na Corte jamais chegaram ao despacho, e agora totalmente pereceram na ruína universal de Lisboa [2], e com eles as esperanças”.

A primeira folha do relato do padre Gramacho


Tendo descrito longamente os rios que permitem, além do mar, fazer contato com as Minas Gerias e as vizinhas freguesias, resume os principais espaços ocupados pelos habitantes da época”

“Ajuntando-se o Rio de Patipe com o mar por esta barreta faz uma ilha que se estende por espaço de quatro léguas até à barra geral do mesmo rio, e não tem mais largueza, que a de 200 ou 300 passos ou braças em parte conforme as enseadas. Na primeira légua imediata à dita barreta está situada a povoação dividida porém , ou distribuída em três lugarejos. O primeiro se chama Embucagrande, que vale o mesmo que enseada grande, e nele existem 62 pessoas de comunhão e tem Capela de invocação de S. João Baptista feita de adobe de barro, e rebocada de cal, sem mais paramentos que para haver de celebrar nela o pároco traz os ornamentos da Matriz. Segue-se dai a um quarto de légua a Embuquinha, que quer dizer enseada pequena, e aí se acham 43 pessoas de comunhão, e mais 35 no restante da légua até o último lugar chamado Patipe, que por todos fazem o número de 140 pessoas de comunhão”.

E depois de ter levado sua descrição até às margens do Una, limite norte da freguesia do Poxim, encerra mencionando o mapa que vai anexo “cujo impolido lhe não muda a natureza de ser o modo mais expressivo, e praticado para por diante dos olhos os lugares mais remotos.”

Canavieiras (Poxim) em 1756



A última folha do relato de 1756



Notas:

[1] Refere-se á passagem do Livro do Gênesis, capítulo VIII, 10 e 11 “Duas vezes saiu a pomba da arca de Noé: do primeiro vôo, não estava ainda bastantemente desafogada a terra, e não achando onde firmar os pés, voltou sem novas da paz. Do segundo vôo estava já sossegada a tormenta e desaguado o dilúvio: descobre a oliveira, toma o ramo no bico e alegrou com a vista dele as relíquias do passado mundo e os princípios do futuro.”

[2] Padre Gramacho se refere aqui ao terremoto que destruiu grande parte da cidade de Lisboa em 1º de novembro de 1755.

O documento original está no Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal. Foi transcrito pelo historiador Inácio Accioli de Cerqueira Silva em “Memórias históricas e políticas da província da Bahia” [com notas de Braz do Amaral], publicado em Salvador, na gráfica do Correio Mercantil, em 1937 (a edição original é de 1835).















3 comentários:

  1. A igreja do século XVIII era em outro local e não existe mais. A igreja da foto, por outro lado, data do sec XX.
    Bom saber sobre o Padre Gramacho, no entanto, e obrigado por citar a autoria da foto.

    Abraço,

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  2. Felipe, obrigado pela dica sobre a igreja.

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  3. A igreja da foto, de São Boaventura, em Canavieiras, foi inaugurada em 1932.O ano de 1718 foi quando foi estabelecida a Freguesia de São Boaventura do Poxim, cuja igreja, em uma ilha distante da atual, não legou fotos para a posteridade (ainda não tinha sido inventada a fotografia).

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